Publicado em: 12/07/2021
Uma
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em abril, eliminou a tributação
pelos fiscos estaduais da cobrança de ICMS na transferência de gado do mesmo
proprietário entre os Estados. Um gado, por exemplo, sai da
fazenda do João, em Rondônia, e vai para a fazenda do mesmo João lá em Mato
Grosso, não há que se falar em transferência porque continua sendo do João o
gado.
Com a profissionalização cada vez maior da pecuária
brasileira, é comum que produtores de gado transportem seus animais de uma
fazenda para outra, a fim de melhorar a performance de acordo com o ciclo do
gado e a gestão da quantidade de confinamentos.
Com
a decisão os criadores de gado não são obrigados a arcar com a alíquota
estadual, como explica o advogado tributarista Rodrigo Totino, do escritório
MBT Advogados Associados.
“Essa
decisão, na realidade, tem um caráter genérico. Há muito tempo se debate sobre
a incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do
mesmo produtor, do mesmo proprietário. Então essa decisão do STF vem reforçar e
confirmar já um posicionamento antigo tanto do STJ quanto do próprio STF de que não incide ICMS no
deslocamento de produtos entre estabelecimentos do mesmo contribuinte”, resumiu.
Embora tenha relevância para o setor agropecuário, o assunto ainda é
pouco comentado pelos produtores rurais. “Pouco tem se falado sobre aplicação
dessa decisão para o cenário da agropecuária. A gente vem aqui reforçar a
importância dessa decisão para o setor da pecuária, mais especialmente. Da
mesma forma quando dentro de uma empresa um produto vai para a filial, há uma
transferência e não cobra-se esse ICMS. a mesma coisa acontece na fazenda. Se o
João tem uma propriedade em Rondônia e outra em Mato Grosso, encaminhando o
gado dele entre essas fazendas também não tem que incidir ICMS”, comparou.
A decisão não se restringe somente à pecuária, conforme lembrou Totino.
“Essa decisão se aplica tanto para gado quanto para grãos, desde
que o produtor tenha propriedade ou mesmo um arrendamento também no nome dele.
Deve ser entendido que ele explora aquela propriedade. Então a propriedade
deve estar com o mesmo titular”, afirmou.
O consultor jurídico explicou que produtores que pagaram o ICMS para
operações similares de abril para cá podem tentar uma restituição dos
valores. “O produtor pode reaver. Tem que conversar com seu contador, com o
seu advogado tributarista especializado para reaver esses valores pagos. O
interessante nessa situação é que pouco tem se difundido. Porque todos os
estados sabem desse posicionamento do Judiciário, mas agora, em abril deste
ano. a decisão é mais relevante porque entendeu-se a inconstitucionalidade de
alguns artigos da lei geral do ICMS, da lei 87/1996, apelidada
como Lei Kandir, e o
STF agora reconhece a inconstitucionalidade. Mesmo antes, com os debates no
Judiciário de que não havia incidência de ICMS nesses deslocamentos de gado ou
de grãos entre fazendas do mesmo produtor, o fisco ainda cobrava porque tinha
lá nas leis estaduais e também no regulamento geral do ICMS a possibilidade de
cobrança, […] ainda tinha essa previsão. Agora, com essa decisão, o Supremo
reconhece a inconstitucionalidade, então esse artigo não gera mais efeito para
o mundo jurídico e aí dificulta a vida do fisco agora. O fisco não pode mais
realizar essas autuações porque ele perde o fundamento legal para isso”,
confirmou.
O advogado ainda espera desdobramentos para o caso. “O estado já
apresentou um recurso, o que a gente chama de embargos de declaração,
ainda pendentes de julgamento. Mas, no meu ponto de vista,
dificilmente o Supremo irá rever esse posicionamento”, opinou.
O advogado explicou a questão técnica jurídica do julgamento. “Para
ter incidência do ICMS, que é o imposto sobre circulação de mercadorias e
serviços, precisamos de dois aspectos, que são a circulação
de uma mercadoria e o fato de a mercadoria precisar ter o
intuito de mercância. Quando a gente fala que um gado, por exemplo, sai da
fazenda do João, em Rondônia, e vai para a fazenda do mesmo João lá em Mato
Grosso, não há que se falar em transferência porque continua sendo do João o
gado. E também não há que se falar em intuito de mercância porque o João não
está vendendo um produto. Por exemplo, ele cria em Rondônia e faz engorda em confinamento
em Mato Grosso. Veja, ele está dentro do ciclo e não tem transferência, não tem
nenhum ato de mercância aqui”, justificou.
Mas
o produtor não deve aproveitar a nova situação do ICMS para buscar “brechas” na lei, conforme comentou o consultor. “Agora por exemplo,
se o preço em outro estado estiver melhor e aí como uma medida econômica ele
está querendo vender, se o intuito dele é vender e ele só faz esses
deslocamentos para fins de não recolher imposto, se o intuito dele já é a venda
final para o frigorífico, isso continua sendo rechaçado porque isso seria uma
simulação. O que a gente precisa prestar bem atenção e ter uma consultoria
apropriada para que isso não aconteça e que o fisco não entenda que o que o
produtor está fazendo são simulações, e sim que o produtor realmente está
deslocando gado para ter uma performance melhor da propriedade”, sustentou.
Totino
reforçou a importância do pecuarista estar sempre em sintonia com profissionais
especializados para estar atualizado sobre mudanças de regras e leis que podem
beneficiá-lo “A atividade tem uma margem já muito apertada e você deve procurar
uma boa assessoria para tentar economizar onde puder, seja na parte de
tributos, seja na parte de insumos e tudo mais. Isso é bem importante. […]
Muita gente fala que o Brasil é o país que tem a maior carga tributária. Não
tem, mas é muito grande. É uma das maiores. E a gente tem que ficar muito
atento a essa reforma tributária que está em andamento, inclusive. O agro vem se destacando, já são mais de 26% do PIB que vêm do agronegócio no país e é impressionante que,
no Brasil, às vezes quem se destaca muito acaba sendo tributado. E a gente está
de olho nessa reforma
tributária porque tem alguns grupos querendo aumentar
(os impostos) e burocratizar cada vez mais a incidência de tributos no
agronegócio. E isso a gente não pode permitir”, salientou.
A decisão deve trazer impulso para a pecuária nacional. Para
2021, espera-se que o rebanho bovino no Brasil alcance o seu maior volume,
cerca de 252 milhões de cabeças, o que significa um crescimento de 3,3% no ano,
segundo dados coletados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
(USDA), que monitora a agricultura e pecuária dos principais países produtores.
Contudo, cabe salientar que a decisão se refere somente às situações sem comercialização de mercadorias, ou seja, quando não houver transferência de cabeças de gado com o intuito de compra e venda, seja para outras propriedades ou para frigoríficos. Nestes casos, o imposto será cobrado normalmente.
Fonte: Compre Rural
https://www.comprerural.com/regras-para-isencao-de-icms-no-transporte-de-gado-veja/