Publicado em: 28/07/2022

Boeren! Boeren! Boeren!", ouvia-se por todos os lados na praça Dam, em Amsterdã, na tarde de sábado (23). Centenas de fazendeiros ("boeren", em holandês) bradavam a palavra com orgulho e buzinavam caminhões e tratores em frente ao Palácio Real. "Conseguimos acordar os holandeses!", disse um deles. Desde junho, protestos assim se tornaram comuns na Holanda. Bandeiras holandesas de ponta-cabeça foram hasteadas ao longo de estradas e pontes, um sinal de solidariedade com os agropecuaristas, que serão afetados por uma redução de 30% dos rebanhos para cumprir uma meta ambiental. O governo estima que 11.200 das 30.000 fazendas terão de fechar.


Em 2021, o Parlamento Europeu aprovou a nova Lei Europeia do Clima, que estipula a neutralidade de carbono até 2050 - para tanto, é preciso reduzir consideravelmente as emissões de gases do efeito estufa até 2030. A Holanda possui 115 milhões de bovinos, frangos e porcos (a maior densidade pecuária da Europa), o que torna o país um dos maiores emissores de gases per capita do continente. Isso porque o gado emite gás metano, mais poluidor que o dióxido de carbono; e porque o esterco, quando misturado à urina, libera amônia, um composto de nitrogênio. Em 2022, as autoridades holandesas divulgaram detalhes dos cortes necessários a fim de proteger mais de 150 reservas naturais no país.

"Não há problema de nitrogênio. A natureza na Holanda vai bem. O governo criou um problema para atacar fazendeiros, para fechar nossas fazendas e pegar nossas terras", diz Jan Veenstra, 51, proprietário de uma fazenda produtora de leite na região de Brabant, no sul do país. Assim como ele, outros acreditam que tudo se trata de uma "invenção" do governo. "O governo está querendo nossa terra para construir casas. É parte de um plano maior: fazer da Holanda a capital da Europa, construir indústrias e entregar para refugiados", imagina Pietr Postma, 57, fazendeiro há 40 anos na província de Groningen.


Não demorou para os protestos dos fazendeiros caírem nas graças de personalidades de extrema direita, incorporando, além das narrativas negacionistas da pandemia e das mudanças climáticas, discursos anti-imigrantes, anti-refugiados, anti-União Europeia e teorias da conspiração famosas no movimento QAnon. No ato de Amsterdã, por exemplo, guarda-chuvas amarelos (símbolos dos movimentos contra as ações de prevenção a covid-19) dividiam as ruas com cartazes com referências ao "grande despertar" de Jake Angeli, o "viking do Capitólio".


Personalidades da direita holandesa como Eva Vlaardingerbroek, Thierry Baudet e Geert Wilders vêm comentando as manifestações, que também têm reverberado na direita internacional, de Marine Le Pen a Donald Trump. Num comício na Flórida, o ex-presidente estadunidense aplaudiu os ruralistas por enfrentar a "tirania climática" do governo holandês. No Brasil, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) citou a Holanda ao compartilhar um post que diz que a obrigação de reduzir as emissões de gases pode "dar início ao desabastecimento de comida no mundo".


Fake news já cruzaram o Atlântico no último mês, com fotos de gôndolas nos mercados holandeses um tanto vazias no fim do dia (o que não é incomum) e legendas dizendo que a nova política provocou o desabastecimento. Um site sul-americano chegou a publicar que a Holanda está prestes a entrar em uma "guerra civil". Os fazendeiros dizem que foram os escolhidos para pagar a conta do país — e que não há diálogo com o primeiro-ministro, Mark Rutte. O fazendeiro Jan Veenstra diz que hoje só se vê representado pelo Fórum pela Democracia, partido de direita, e pelo BBB (BoerBurgerBeweging), movimento ruralista.


"Se os fazendeiros param, os caminhoneiros também ficam sem trabalho", acrescenta Durk Schaap, que parou o caminhão na praça Dam. "Só queremos produzir. Não queremos continuar indo para a rua com tratores grandes, custa muito tempo e muito dinheiro", destaca o fazendeiro Sven Warrens, que há décadas trabalha com bois e ovelhas, e considera a mudança climática uma "invenção". Entretanto, diz que continuará indo aos protestos. Isso se a onda de calor que está passando por lá deixar.


fonte:https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/07/28/por-que-fazendeiros-estao-protestando-e-fechando-estradas-na-holanda.htm




Por que fazendeiros estão protestando e fechando estradas na Holanda.